“Tenho
vergonha de ser juiz...!”
Data: 15/06/15
Por João Batista Damasceno, Juiz de Direito da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro, Doutor em Ciências Políticas e membro da Associação Juízes para a Democracia.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz. E não
preciso dizê-lo. No fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria
exploração de prestígio.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz, porque não
o sou. Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente
suas atribuições.
Tenho vergonha
de dizer que sou juiz, pois podem
me perguntar sobre bolso nas togas.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz e
demonstrar minha incompetência em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de
sempre ter batalhado pela justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter
primado pela ética.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz e ter que
confessar minha incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a
derrocada dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo
que confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser comum.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz e ter que
responder porque - apesar de ter sempre lutado pela liberdade - o fascismo bate
à nossa porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e
mata livremente.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz, porque
posso ser lembrado da ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com
os direitos dos excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia, transporte,
alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos valores que poderiam
reforçar os laços sociais.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz porque
posso ser confrontado com a indiferença com os que clamam por justiça, com a
falta de racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança
mesquinha e rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz porque
posso ser lembrado da passividade diante da injustiça, das desculpas para os
descasos cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se
cometem em nome da justiça e de todos os "floreios", sinônimos e
figuras de linguagem para justificar atos abomináveis.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz porque faço
parte de um Poder do Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha
pelos caminhos que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz, porque
tenho vergonha por ser fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia
andar com meus companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas
formal.
Tenho
vergonha de dizer que sou juiz, mas não
perco a garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me
aparto da justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de
mim a cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em
cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em
direção a ela é que me põe em movimento.
Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim
como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o
triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a
iniquidade e de agigantaram-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos, não desanimo
da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser honesto.
Tenho vergonha de ser juiz em razão das minhas fraquezas diante da
grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu gostaria de ver plena.
Mas, eles passarão!
*****
Fonte:
Espaço Vital - www.espacovital.com.br
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